terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mini conto: Quase amargo

Quase amargo


Viu os olhos dele a fulminarem quando disse:
Não mudo uma vírgula na minha vida por você.
Lança afiada no coração. Por uns segundos, pensou como viveria sem
ele.
Mas o amor dela é tanto que supre o dele. "Homem maduro, coração
duro.
Foi até a cozinha. Fez o café como ele gosta- quase amargo. Ao oferecer a xícara seus olhos eram frios. Deixou que tomasse o café, aproximou-se. Beijou seus lábios até adocicarem e ele a tomar nos braços. Ela o amaria mais densa que nunca- teve os segundos de luto - beijaria aquele corpo religiosamente até ele lhe oferecer o gozo em jorros e entrega.
Lavou o sexo com força.
Depois, na praia, se jogou na areia molhada. Pensava: se o mar me quiser, que leve.
A maré rasa não a carregou.
Levantou quando ouviu vozes de crianças em volta.
Foi seu ultimo carnaval.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Mini conto: O analista triste

E havia o vento num sopro de morte, atormentando. Desde o amanhecer o vento invadindo todos os espaços, uivando como cão.
Encolhe-se. Na porta, o gato mia- quer sair. Logo o interfone tocará. Pensa no cliente a caminho para que o ouça. Sabe que ele o tirará dali e estará feliz no fim do dia.



Ou 


O vento vinha num sopro de morte, atormentando. Desde o amanhecer o vento invadindo todos os espaços, uivando.
Encolhe-se. Na porta, o gato mia- quer sair. Logo o interfone tocará.  Pensa no cliente a caminho para que o ouça. Urge levantar-se, escovar dentes, tomar café.
Sabe que no fim do dia estará feliz..

domingo, 17 de outubro de 2010

Mini conto: Ruídos internos


Magritte aqui



Ruídos internos


Ela diz para si num murmúrio:
"Estou exausta, quando terei trégua?"
Enxuga as lágrimas na manga, enquanto torce mais uma camisa.
Lá fora as crianças riem, correm pela grama. Um deles a vê na janela e grita: Mãe...
Chora, mais ainda, ao ver o menino sorrindo, esperando seu aceno.
Larga a roupa no tanque e volta para o fogão, enxuga as mãos frias na roupa. Abre a tampa quente da panela sem proteção. Deixa-se queimar. Uma dor real a traria de volta, pensa. O filho parece tão longe dela, tão improvável como quando dizia: "Jamais terei filhos, quero liberdade".
Desliga o fogo antes que o feijão queime, logo o menino abrirá a porta aos gritos:
- Mãe, estou com fome, faça o prato pra mim.

Ela sorrirá beijando a bochecha suada e com cheiro de moleque.

Mini conto - arquivo- Desconserto

Desconserto


Não contenho o sorriso, é inevitável. Não nego o prazer em vê-la, assim, perdida, não diria desesperada, apenas perdida.
Ela tão cheia de certezas...
Vejo aqueles olhos nos meus, esfomeados, querendo me decifrar, percebo seu desconserto.
Ela sabe, é meu o próximo passo. Espera.
Eu a farei sorrir, não sobrevivo sem este sorriso, ela não sabe, apenas intui.

domingo, 3 de outubro de 2010

Miniconto: Ata-me II - revisto



Semidesperta olha a janela sem cortinas. Encolhe-se fugindo do sol que aquece a cama. Cobre os olhos com o lençol. Ouve ruídos.
A vida é laço esgarçado- desfaz-se.
Desatar nós, atar.

Semidesperta adivinha a duna dourada, as vacas pastando. Encolhe-se, mais ainda, fugindo do sol que toma cama. Cerra os olhos.
Um cheiro familiar. Alguém faz café. O estômago dói. O corpo tem fome. Ela não.

Desatar nós, atar.

Como se a mão que os aperta é frouxa?