segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Miniconto: Os fardados


Tenta atravessar a rua movimentada. Um camburão para, o motorista faz gesto para que atravesse.
Enche o peito, alonga a coluna, e cruza a rua.
Lembrou dele.
Não olhou para trás, os homens fardados poderiam rir.
Passou o resto do dia empinada.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Um dia, uma taça



Um dia, uma taça


Ontem amanheci arco-íris,
anoiteci lua em taça.
O meio?
Pleno.
Sim, aprendi.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Os microcontos da Casa das mil portas

Aqui estão os microcontos que estão na Casa das mil portas. Foram os primeiros que fiz, acho que em 2005.



1. O sangue espirrou, vi, desta vez, os seus olhos suplicarem.


2. Deu um grito gutural, da boca saia uma espuma branca. Era tarde.


3. Quando a onda me engoliu pedi perdão, e não socorro.


4. Vi o pânico nos olhos, tomei seu corpo com mais desejo. Fundo.


5. Escondi a faca de cortar carne, esta seria sua última trepada.


6. Despertei suja de sêmen, corri a mão no lençol. Frio. Calafrio.


7. Cerrei os olhos, úmida e quente, deixei que fosse até minh'alma.


8. Rubro e úmido meu sexo aguarda o teu buscando outros sexos.


9. Dói áspero teu sexo, me rasga. Finjo prazer para te esfaquear de costas.


10. Quis fazer das pernas tesouras- cortar- tua força venceu.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Miniconto: As velhas/ sem revisão

A mais velha não desgruda os olhos da TV, a cada meia hora diz:
- “Não aquento mais viver, quero ir embora... lá para cima”.
A outra:
- ”Será? Vá caminhar um pouco".
- “Não gosto mais de sair".
Levanta apenas para comer e dormir. Quando desocupa a poltrona a outra vem sacudir a colcha e varrer o chão.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Miniconto: De saltos altos

De saltos altos



Ela passa uma, duas, três vezes na calçada em frente. Quem vê pensa que é louca. Pisa firme com os saltos altos; o toc toc a denuncia. Traz algo nas mãos, de longe parece um terço, mas não é, conheço bem aquele cordão, ganhou de um amigo grego, diz que dá sorte. Olha alternadamente para a casa e para o fim da rua. Acredita que ainda não cheguei. Faz quase uma hora que está ali, andando de um lado para o outro. Conheço essa impaciência, ela quer me pegar de surpresa, está com o discurso pronto, adivinho o que diria se abrisse a porta ou me vislumbrasse atrás da cortina:
- Seu cretino, como foi sair com ela? Pedi tanto que se afastasse daquela vagabunda!
- Você está delirando, não saí com ninguém. Ficou louca?
- É você quem me enlouquece, cretino!
- Mas eu não saí com ninguém...

Não contenho o sorriso. Não nego o prazer em vê-la assim perdida, não diria desesperada, apenas perdida.
Ela, tão cheia de certezas...
Vejo aqueles olhos nos meus, esfomeados, querendo me decifrar, percebo seu desconserto.
É meu o próximo passo, ela sabe.
Logo a raiva se dissiparia. Nunca brigamos, basta fixar-me nos olhos dela e sorrir. Ela desmonta, chora, me faz jurar que nunca mais a farei sofrer. Eu não digo nada, não posso lhe dizer que também amo a outra.
Vejo suas belas pernas cobertas por meias pretas, os saltos altos. “Só uso saltos altos”- ela gosta de dizer.
Sei que se abrir a porta, beijarei aquele rosto até fazê-la sorrir. Não sobrevivo sem aquele sorriso.
Ela não sabe, apenas intui.

PS1: Se você já leu Desconserto, ai abaixo, verá que foi tirado daqui.
PS2: Este conto me lembra uma cena do livro de Javier Marias: "Coração tão branco". Quem o leu talvez lembre da mulher na calçada, ele na varanda.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Miniconto: Melhor assim
















Melhor assim

Só ao desligar o telefone percebeu a voz fria dela.
Pensou que deveria ter se calado, como tantas vezes. Ela declarava o amor transbordante, ele nada dizia. Desligava o telefone e sorria, ria da loucura, do amor exagerado dela. Hoje não há do que sorrir.
Ele a desdenha, mas gosta de vê-la enamorada- louca.
Há dias ela se calou. Pela primeira vez se calou.
Queria dizer que lamenta. Não diz.
Talvez ela não volte.
"Melhor assim", ele pensa.

Miniconto- Manhã de domingo

Manhã de domingo


Despertou com a mão dele em sua coxa, abria caminho entre suas pernas. Fingiu dormir. Ele continuou. Gemeu. Ele, então, colocou um dos braços sob o corpo dela e a enlaçou trazendo-a para mais perto. Abraçou-a com força.
Sentiu o cheiro de sono, o calor de sua nuca, sentiu conforto.
A luz que vinha da porta a incomodava, moveu o corpo para que ele mudasse de posição. Ele colocou o corpo sobre o dela, apoiava-se nos braços e a beijava no pescoço. Abriu os olhos, trouxe com as mãos o seu rosto, olhou cada traço, desenhou-o na memória. Este, que ela descobria, era pouco diferente daquele que ela sonhara.
Beijou os olhos que a olhavam ternos.
Pediu para que soltasse o corpo, deixasse o peso todo sobre ela. Queria sentir que ele era real. Queria inscrever aquele corpo no dela.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Vida prosaica







Vida prosaica



Amanheço separando roupas sujas. 

Mais tarde- varal- enquanto meu interior é ideias.

Algumas se perdem na vassoura ou ao vento.