quinta-feira, 31 de março de 2011

A janela aberta

Acordou, abriu as janelas, o sol batia no assoalho. Deitou no chão fresco e foi se despindo até ficar nua.
Levantou quando o sol - num feixe vibrante - a cortava ao meio. Em vez de colocar o vestido desbotado, escolheu outro - de uma das freguesas- de seda preta, com decote e fenda do lado esquerdo da saia. Calçou o par de sandálias de saltos altos, sujas de mofo. Passou batom, coloriu as faces desbotadas.
Olhou-se no espelho e ensaiou dançar sozinha.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Miniconto: Cravada no espelho





by Masha Meshki



Não precisava fechar olhos, nem silêncio para senti-lo perto. Adivinhava seus olhos sobre ela. O sexo pulsava.
Algo aconteceu, não o sente nas manhãs mais frias.
Desta vez, não intui mais do que desamor. Passa os dias isolada. O silêncio prolongado, as folhas gastas em poemas esquecidos.
Um cansaço sob a pele, o desamparo que emerge num luto indefinido.
Sim, poderia imaginá-lo, os olhos perdidos nela, que se distancia. Há tristeza e resignação nele.
Não o odeia por isso. Esteve tão perto, colada como tatuagem- cravada no espelho- jamais será apagada.
Poderia esperar que ele quebrasse o silêncio, mas homens fortes não quebram acordos íntimos.
A ela, resta sobreviver.

sábado, 26 de março de 2011

Ata-me I


Ata-me I


Semidesperta adivinha a duna dourada. Encolhe-se, mais ainda, fugindo do sol que invade a cama.
Um cheiro familiar.  Alguém faz café. O corpo tem fome. Ela não. 
Desatar nós, atar.
Mas como se a mão que os aperta é frouxa?


Ata- me II


Ata- me II


Semidesperta olha a janela sem cortinas. Encolhe-se fugindo do sol que aquece a cama. 
Ouve ruídos.
A vida é laço esgarçado- desfaz-se.
Desatar nós, atar. 

quinta-feira, 24 de março de 2011

Vou te deixar






Foto de Fernando Pinto




Vou te deixar



- Daqui a pouco preciso ir.
Ela adivinhava, mal conseguia comer o sanduíche.
Ele chamou o garçom, pediu um café.
- Quero um café, também.
- Traga dois cafés, o meu o de sempre.
Ela pede um abraço, ele diz: "Ah! o abraço...”.
- Posso assistir o filme com você?
- Não. É um copião, depois você vê, agora preciso ir.
Com a garganta travada, ela engoliu o café. Pelo vidro, viu o homem subir a rua.
Não desejou segui-lo, desta vez. Escolheu outro caminho de volta.

segunda-feira, 21 de março de 2011

A vida escoa

Levantou às sete, tinha fome. Ferveu a água para o café solúvel. Escaldou a xícara. Num gesto involuntário derrubou o frasco. Olhou o chão, o pó escuro grudado ao chão. Sentou e chorou.
O filho chegou para o desjejum.
- Por que está chorando?
- Não consigo mais controlar minha vida.
Ele a toca no ombro e chora em soluços. Ela levanta, abraça o filho, e pede desculpas.
Meia hora depois ela o leva até a porta e volta para limpar o chão.

sábado, 19 de março de 2011

Amanhã, quando você chegar...



Rio, junho de 1984


Meu amor, você chega amanhã. Deve estar exausto, ansioso pelo voo, mas feliz, e eu aqui a contar os minutos.

Ficar sem saber de você tanto tempo me deixa enlouquecida. Escrevo para não me perder naquela fala vazia quando estiver à minha frente. Você ri, eu sei, mas eu sofro com esta minha incerteza. Não ria, amor.

À medida que o tempo passa sem você eu vou desbotando. Ontem estive no sol por uma hora, me sinto feia sem cor, você sabe. O teu silêncio me faz imaginar, por alguns segundos terríveis, que encontrou outra mulher. Ela tem mãos delicadas como as minhas, mas mãos lindas, de jovem. Imagino que ela sorri para você, leviana, eu nem sei se consigo ser leviana. Seria? Eu sou profunda.

“É isto que amo em você”. Teria que ouvir agora. Preciso ouvir agora.

Estou chorando, sei que sou uma tola: “Tolinha”.

Você diria que sou leve. A minha leveza é por temer desejar algo com ardor e não alcançar. Tudo fica no ar. Tenho medo de me agarrar a algo e sucumbir. Aprendi a ficar assim, leve, navego na superfície, não saberia mais remar contra a correnteza. Eu cansei de viver na contra mão- você sabe.

E se você não chegar amanhã?

Minha cabeça dói há dias. Deve ser esta luta interna para me manter lúcida. Agora estou sorrindo. Sou tão lúcida, não é? Pois é... Somos tão lúcidos. Por que fico tão enlouquecida?

Chega. Já estou melhor.

Amanhã, quando a porta abrir e você entrar, eu estarei leve e feliz, é isto que importa.

Um beijo da sua, Laura.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Miniconto: Silêncio- sem revisão

Silêncio



Reclusa, nada a atrai.
Ruídos incomodam.
Menina escondia-se em cantos.
Busca o sono e o sonho a perturba.
Nele, o olhar amado a tira do torpor.

O cão late e a desperta.


PS: Revisei, era maior.