quinta-feira, 30 de junho de 2011

Miniconto: O miolo- sem revisão

O miolo de pão


Observava as mãos dela. Soltava com cuidado a xícara no pires e enrolava o miolo do pão. Todos os dias o mesmo movimento. Lembro do início, eu me continha para não pedir para que parasse. Em alguns dias, mais irritado, dizia: “Por favor, pare de fazer estas bolinhas! Lembra minha mãe.”. Ela me olhava enviesado e parava. No dia seguinte, recomeçava. Às vezes, compro pão de forma, digo que não encontrei pão fresco no caminho. Minto. Sei que não terei que assisti-la transformando migalhas em bolinhas.
Hoje não ouvi os passos no corredor. Eu acordava sempre antes, fazia o café. Na cozinha eu aguardava os ruídos dela: a água da torneira da pia, os passos lentos se aproximando.
Há silêncio hoje. Ouço minha mordida no pão, o gole do café. Ela não virá mais. Começo a enrolar o miolo do pão e choro.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Antes das seis da tarde II

Antes das seis da tarde II


Brincava com a irmã de pique-pega, ela dois anos mais velha deixava que ele a agarrasse e a jogasse no chão.
Um dia, ao tocá-la sentiu que o pau ficou duro, assustou-se, empurrou-a para longe.
Dias depois, voltaram a brincar. Ele a jogava no tapete, esfregava-se e gozava rápido. A irmã fingia não ver o ofegar e o rubor das faces.
Demorou para casar, a mulher logo pediu o divórcio- não suportava o corpo insatisfeito. Veio outra mulher e a traição.
Um dia, chegou mais cedo do escritório, tirou o terno, a gravata, deitou nu na cama, lembrou da infância, dos jogos com a irmã.
Antes que a mulher chegasse- lá pelas seis da tarde- vestiu-se, ligou a TV e deitou no sofá fingindo ler o jornal.

domingo, 26 de junho de 2011

Suíte I

Suíte número um


Ficou encantada ao se ver no espelho com o vestido da patroa.
Dançou pela suite.
Com a tesoura fez pequenos cortes nas roupas penduradas.
Ao bater a porta, sabia que não haveria retorno.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A jardineira de gerânios/revisto por mim


A jardineira de gerânios


Eram amantes. Todo fim de tarde ele vinha, trazia um chocolate, uma flor, algo de que ela gostasse. Amavam-se até a hora marcada, já estavam acostumados às despedidas, tudo fluía com serenidade.
A mulher, cansada com seu descaso, pediu o divórcio. Ele refutou. Ela não cedeu.
Assustado, sentiu-se inseguro: aquela foi a mulher com quem casou há trinta anos, foi a primeira paixão.
A amante o esperava, estranhava as desculpas. Quando vinha, ficava calado, sentado como visita. Passou a ter um olhar inquisitivo que ela desconhecia.
Ele pensava no quanto ela envelhecera nestes dezessete anos, estranhava suas palavras simples, seus gestos espontâneos.
Ela, adivinhando o abandono, começou a se fechar. Arranjou uma licença médica.
Um dia, tirou a jardineira da varanda e trancou as janelas: as flores estavam murchas.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Quarto de Hotel I, II, III



Quarto de Hotel I


Sentados de frente um para o outro, ela sorria. Ele não sabia o que fazer.
Colocou um dos pés no meio das pernas dele. "Assanhadinha, você” e veio com sede ao pote.
Não beijou sua boca, aflito, torceu e manou nos seios, chupou com força seu sexo, penetrou desajeitado.
Como previa, não haverá outra vez. Ele ainda não sabe.


Quarto de hotel II


"Vire- se"- ele disse.
Fingiu não ouvir, ele repetiu:
"Vire-se. Quero que se vire".
De quatro, doía o toque profundo. Pediu para parar. Não parou. Cavalgou até gozar.
Ela soube, ali, que não haveria um segundo encontro.


Quarto de hotel III


Na água quente, tentando relaxar, ele falava sem pausa.
Tocava sua perna como quem toca a borda da banheira.
Ela olhava distanciada, sonhando com nuvens azuis.


quarta-feira, 22 de junho de 2011

O guarda- roupa

O guarda- roupa


Escondeu-se entre os vestidos da mãe, mal respirava, sentindo o cheiro abafado de perfume e mofo.
Ouviu ruídos. O coração sobressaltado aguardando ser descoberto.
Saiu com as pernas dormentes. Nunca souberam.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Dia de chumbo II- revisto

Dia de chumbo


Cansada de escrever, fui até a janela olhar a rua. Uma chuva fina caía. Há dias o céu está como chumbo.
Queria um dia de sol tépido-não suportaria o sol escaldante do verão. Ouviria pássaros. Invejo as aves, parecem volúveis.
A rua, quase deserta, me dá sensação estranha, lembra ficção científica. Onde estarão todos? É domingo.
Eu o vejo surgir no meu espaço visual, está com um suéter amarelo, comprado numa das viagens.
Espero que olhe para cima com o coração disparado. Ele não olha, entra na livraria em frente ao meu prédio. Penso descer, forçar um encontro. Mas, se não der tempo? Teria que me vestir, estou com roupa de dormir. Não sei vestir um casaco e sair. Talvez desse tempo, mas eu o perderia de vista. Decido esperar, olhos fixos na porta da loja.
Ele sai, traz agora um pacote nas mãos, tem um meio sorriso nos lábios, com certeza foi algo que disse para a moça do balcão que o fez sorrir. Tenho inveja da moça do balcão. Uma tristeza maior me abate. Será que não lembrará de mim?
Abro a janela, quero ficar mais visível. Segundos depois, ele me vê. Ele não sorri. Dá apenas um adeus.
Volto e me jogo no sofá chorando. O telefone toca. É ele. Mal consigo falar.
Ele diz: “Venha ver os livros que comprei, um deles é para você”.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Mini conto- arquivo: O relicário









 

O relicário



Ela deitou na tábua curtida onde o sol se esgueirava naquela manhã, ia deslizando no assoalho ainda frio.
Resta uma nesga de sol, quase uma linha que desenha um eixo,
corta ao meio seu corpo magro. Imagina que ele está sobre ela, inteiro.Tira a camisola. Fica nua.
Lembra da primeira vez que se deitaram.
Ela acabara de virar mulher, ele quase menino. Caminhavam na trilha até o açude. Tropeçou. Ele veio ajudá-la. E ali mesmo fizeram amor. Meses depois não era possível esconder mais a barriga. Casaram.
Antonio trouxe o relicário. A mãe, devota, escolheu o nome durante o difícil
parto.
Quando a jogava na cama, viril, cheio de desejo, antes cobria o Santo:
“Não quero que ele veja nossa sem- vergonhice".
Cansado da fome, vai em busca de trabalho:"Homem que é homem, traz o
sustento pra dentro de casa, Maria".
Parece que foi ontem que se despediu do marido encostada na porta, a barriga
grande, o olhar perdido no horizonte.
- "Pede pra nosso filho vingar, Maria", é cantilena no ouvido dela. O filho
não vingou, mas Antonio não sabe.
Certo dia um homem bate na porta:
- Você é Maria?
- Sou.
- Mulher de Antonio?
- É...
- Ele me falava de você. Pediu que viesse até aqui.
Ela adivinha o que ele tem para dizer. Lágrimas brotam dos seus olhos.
- Pediu para te dizer que arranjou o trabalho e que lá de cima vai cuidar de você e de seu filho.
- Como foi?
- Numa desavença, levou uma facada certeira, só teve tempo de dizer estas últimas palavras.
Ela fica em silêncio, engole o choro e diz:
- Se quiser, entre, lhe dou um copo d'água.
- Obrigado. Meu nome também é Antonio, Antonio da Silva, ao seu dispor.


Este conto está neste livro.
*Clique na imagem e leia- há uma frase lá.

domingo, 12 de junho de 2011

Preciso aprender a ser só- miniconto/semrevisão


Preciso aprender a ser só


Percebo quando ele desliza no lençol. Sai de fininho, quando está sem tempo para ficar na cama comigo. Faz muito frio, finjo dormir.
Minutos depois o cheiro de café inunda o quarto. Preguiçosamente, levanto, sei que hoje ele voltará depois das nove da noite- tempo demais. Sairei apenas à tarde para atender alguns clientes, sempre tenho mais tempo disponível. Ele diz: “O que fará hoje com seu tempo, minha querida?”.
Não sinto crítica, mais cuidado. Ele diz também, nos dias ensolarados: “Já olhou a janela? Vá dar uma volta, andar na areia.”. Nunca vou. Não gosto mais de sair só. Fui uma mulher solitária até os quarenta anos, depois que nos conhecemos, tudo que faço desejo dividir com ele.

Levanto e ele não está na cozinha. Sento na cadeira e choro.  Em alguns dias, esqueço que ele não está mais presente- apenas em mim, claro. Preciso aprender a sair só.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Manhã de domingo- miniconto

Manhã de domingo


Despertou com a mão dele em sua coxa, abria caminho entre suas pernas. Fingiu dormir. Ele continuou. Gemeu. Ele, então, colocou um dos braços sob o corpo dela e a enlaçou trazendo-a para mais perto. Abraçou-a com força.
Sentiu o cheiro de sono dele, o calor de sua nuca, sentiu conforto.
A luz que vinha da porta a incomodava, moveu o corpo para que ele mudasse de posição. Ele colocou o corpo sobre o dela, apoiava-se nos braços e a beijava no pescoço. Abriu os olhos, trouxe com as mãos o seu rosto, olhou cada traço, desenhou-o na memória. Este, que ela descobria, era pouco diferente daquele que ela sonhara.
Beijou os olhos que a olhavam ternos.
Pediu para que soltasse o corpo, deixasse o peso todo sobre ela. Queria sentir que ele era real. Queria inscrever aquele corpo no dela.

domingo, 5 de junho de 2011

O jantar

O jantar


Dormia quando ele chegou de madrugada. Da porta, disse: Anda, tenho fome. Sonada, levantou. Encheu a panela com água, colocou no fogão e voltou a cochilar enquanto fervia.
Ele a viu de bruços na mesa, pegou a lata de óleo e a despejou sobre sua cabeça.
- Sua vaca, levante!
Ela obedeceu em silêncio. Chorando baixinho entrou no chuveiro quente. Lembrou da mãe. Chorou, mais ainda. Levou tempo para tirar o óleo, o ódio e o medo.
Quando saiu, ele já havia comido. Estava à sua espera, pronto.
Acordou às quatro, ele ressonava de boca aberta. “Desgraçado”.
Antes das cinco estava pronta. Mochila segurando a porta da rua entreaberta. Faca na mão.
Ela saiu de óculos escuros- amanhecia.

sábado, 4 de junho de 2011

No bar

No bar


A mão dela deslizou pela minha perna, senti um calafrio na espinha.
Deixei que subisse até a virilha, desejava que me tocasse, me apertasse naquela mão pequena.
Meu sexo parecia estourar a calça. Então, lentamente, ela abriu o fecho e colocou meu pênis para fora apertando-o contra meu corpo.
Um calor me inundou, precisava fazer algo. Finalmente consegui sussurrar: "Por favor, vamos sair daqui”.
Ela me ignorou, fingia não ouvir ou não ouvia tal a concentração.
De repente, levantou-se, deu um tchau geral e saiu sem olhar para mim.