sexta-feira, 30 de novembro de 2012

mini conto: Ele, no sonho


Ele, no sonho


Faz calor. As pernas ardem, desliza-as pelo lençol em busca de um frescor. Nada. O pé encontra o fim da cama. Deitada, suspende o corpo sonado para cima. Ajeita o travesseiro. Deita de um lado, de outro. Lembra-se dele ali, tão próximo, que poderia esticar-se e beijá-lo. Sabor pêssego, dizia.
No sonho, ele volta. Estão deitados amando-se pelo olhar.

Despertou e veio o vazio da morte ainda não digerida.


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Microconto sem título


Sente dor. Ele pergunta: “O que houve?”. “Nada, só cansaço”. Mente. O outro a feriu mais cedo. “Não foi nada, meu amor”.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Miniconto: Inês



Não sabe o porquê da inquietude. A mãe dizia: “Esta é lenta, não queria nem nascer. Anda Inês!”. Odeia o nome. “Pior se fosse Sebastiana”, retrucava a mãe. Nasceu no dia da mártir, tivesse nascido antes, teria o nome derivado do santo.
Quase menina, foi trabalhar no corte da cana. Lá conheceu Sebastião. Ironia, pensou. Ele era pouco mais velho e tinha olhos cor de amêndoas. Encabulou-se no primeiro encontro- ele a despiu com o olhar. Voltou para casa coberta de fuligem e atordoada. Mirou-se no espelho sobre a pia da cozinha. Tirou-o da parede, tentou ver o resto do corpo- “mais ossos que carne”, pensou. Os irmãos brincavam no terreiro. No banho tocou o sexo. Apressada esfregou-o até um arrepio. Sabia que agora era mulher- os olhos dele o disseram.

...
Anoitece. Observa a duna- lembra da areia morna, a perna úmida de sêmen, o corpo de Sebastião sobre o dela. Tenta enxergar mais longe. Não, ele não virá. Melhor entrar e fazer a janta para os netos.

terça-feira, 26 de junho de 2012

O encontro desmarcado

O encontro desmarcado

 Quando ouviu a voz dele, quase inaudível, dizendo: “Acho que não irei hoje, pode ser?”. Respondeu: “Claro! Como quiser.”.
Perdeu o prumo, parou na esquina combinada. Sentia o sangue ferver. Viu o supermercado à frente, atravessou a rua sem prestar atenção. Comprou uma revista e foi para a lanchonete. Ali, comprou salgadinhos e refrigerante- jamais faria isso com ele, que diria: ”Tome um suco, minha querida, isso ai é veneno”.
A raiva passou.

terça-feira, 6 de março de 2012

Mangueiral- miniconto

Parou a chuva. Olho a janela. Dois meninos arrastam algo branco. Sob as mangueiras um adulto descansa na mata rente. Entre os troncos, patas. Espero moverem-se. É um cavalo. Alguns bois pastam. Um boiadeiro surge berrando. O homem, que antes recostava, desapareceu. Uma fumaça surge. Os meninos seguem em direção ao rio arrastando pranchas brancas.
O dia está abafado e estou tão distante do córrego...