Outono
Chovia muito, chuva fina e vento. Ao sair da vila, uma rajada quase a faz voltar.
Domingo é dia de ler jornal - o pai a ensinou. Mesmo velhinho, andava com um jornal debaixo do braço. Pensava nele, quando se chocou com um homem que saía da banca.
- Perdón, ele disse num largo sorriso.
Comprou o jornal apressada e buscou com o olhar o homem na praça. Havia sumido.
Algumas semanas depois, perguntou ao jornaleiro:
- Aquele homem estrangeiro, o senhor conhece?...
- Ah, o espanhol? Está viajando.
Não teve coragem de perguntar mais.
Passou a olhar as pessoas na rua.
Inverno
É hora da Ave Maria, o sino da igreja ecoa no peito, dói.
Ardem as costas, desde a manhã naquela cadeira.
No banho, alisa a tez macia, sente prazer.
Na sala escura, alonga a coluna no tapete.
Os pássaros se aquietaram. Entram ruídos dos vizinhos.
Uma angústia a invade, não há nada a fazer, resta- lhe a espera. Quer apenas chorar.
Ao sentir fome, levanta-se: é preciso comprar pão. Sai sem disfarçar os olhos inchados. Caminha, passos lentos, até a esquina. Ao entrar, vê o estrangeiro no balcão. Aproxima-se, quer vê-lo de perto, senti-lo. Quando ele sai, dirige-se à porta, deseja seguir seus passos rápidos, mas para, e o vê sumir na noite.
Agora sabe que ele voltou.
Primavera
Acordou, abriu as janelas, o sol batia no assoalho brilhante. Deitou no chão fresco e foi se despindo até ficar nua.
Levantou quando o sol - num feixe vibrante - a cortava ao meio. Em vez de colocar o vestido desbotado, escolheu outro - de uma das freguesas. O mais bonito: de seda preta, com decote e fenda do lado esquerdo da saia. Calçou o par de sandálias de saltos altos, sujas de mofo. Passou batom, coloriu as faces desbotadas.
Olhou-se no espelho e tentou dançar sozinha.
Verão
Aos domingos, na praia, catava pedrinhas. Preferia as transparentes.
Naquele dia, um homem se aproximou e lhe deu uma pedra escura. Gostou do rosto.
Seguiram pela areia lambida. Despediram- se com um “até domingo”. Ela sentiu- se diferente. Há muito não falava com homens.
Esperou ansiosa o fim de semana. Da calçada, viu o homem à beira- mar. Foi em sua direção, vacilante. Seguiram caminhando e pegando as pedras. Falavam pouco, ela desacostumada, ele só dizia o essencial.
No terceiro domingo, ele entrou em sua casa. Ela sabia o que viria.
Amaram-se no chão da sala.
Enquanto ele se vestia, pegou um copo de conhaque, colocou as mais belas pedrinhas dentro. Entregou- lhe. Ele não agradeceu, apenas a fitou com olhos surpresos.
Ao se despedirem, ele disse: “Até mais”. Sentiu-se estranha. Intuiu algo. Mas, e se ele voltasse à noite?
Nada sabia dele, nem o nome.
No domingo seguinte, esperou-o até a maresia envolvê-la e sentir frio.
Não se importa mais com as pedras, às vezes curva-se, pega uma, a observa na mão, então a devolve para o mar.
Talvez no próximo verão...
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Um comentário:
Adorei especialmente este, muito bom!
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