domingo, 15 de maio de 2011

O casaco que ele veste

Além dela, havia uma mulher muito magra, lábios finos, cabelos mal tingidos, e ele. Ele vestia um agasalho, destes com fecho na frente. Tinha os olhos grudados num livro. Ao abri-lo, deixou cair um marcador. Ela desejou pegar, mas não teve coragem. Observou-o atentamente. Ele não percebia a presença dos outros. O cabelo grisalho, sem corte, o rosto marcado pelo nariz e rugas de expressão. Usava óculos para leitura. A testa, às vezes, franzia, ou a boca entortava, num sorriso esgar. Há meia hora estavam ali. Imaginava qual seria o problema dele. Pensava em como alguém pode estar tanto tempo entre outras pessoas e não vê-las. Poderia ser um arrogante, daqueles que não se misturam e fingem estar sós. Mas, algo nele a comove. O casaco que ele veste lhe dá desejo de se aconchegar. A sala é fria, muito fria. Imagina-se muito perto e seus olhos nela. Imagina a mulher magra entrando na sala do médico e os dois na sala vazia. Então, ele a beijaria enfiando as mãos entre suas pernas, abrindo com os dedos magros sua fenda úmida. Ela o beijaria com ternura, ele não. Ele a desejaria desesperadamente, morderia seus lábios, que sangrariam. Ela sabe que há muito ele não tem uma mulher.

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