segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O homem menos estranho

O homem menos estranho

Pega o primeiro ônibus que para no ponto. O vento corta seus lábios. Há dias não vê a rua, não quer.
O ônibus está abafado, mas gosta daquele cheiro de gente, tanto tempo não vê gente. Havia lugares vazios nos últimos bancos, mas escolhe o banco que tem o homem menos estranho e senta. Perna encostada na perna do homem. Nem viu a cara, não importa. A perna revestida de seda dá sensação de segunda pele, desliza. Sente prazer em roçar disfarçadamente no estranho. Fecha os olhos, inspira o ar misto de cheiros. Final do dia, cada cheiro uma história. De olhos fechados adivinha que o homem ao lado tem mulher e filhos à espera.

Faz isto sempre. Pega um ônibus qualquer, escolhe os dias cinzentos, aqueles que intui não suportará ficar tão só. Estar colada ao homem a esquenta. Ele não se afasta, pressiona mais a coxa, coxa apertada contra coxa. Finge não sentir a mão que sobe pela sua perna. Deixa que o homem a toque, se arrepia. Não consegue se mexer, é preciso dizer não. Abre os olhos, ele se aproxima e a beija violentamente, morde, machuca. Ela não sente prazer, nem medo, apenas vida.

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