domingo, 7 de março de 2010

Miniconto VIII - A mãe de Maria das Dores




Dez da manhã. Dia abafado. Ela tenta se concentrar sobre o papel- precisa escrever.

Da cozinha vêm as vozes nítidas da mãe e da cozinheira.
- Sabe, Rosa, eu queria mesmo era morar lá onde vivia.
- Mas como a senhora vai ficar sozinha com mais de 83 anos?...
- Eu posso. Sempre vivi só. Gosto, estou acostumada.
...
Se pudesse iria para a casa do meu filho...

Ela para de escrever e diz do escritório:
- Nunca quis ficar aqui. Foi muito bem recebida. Não gosta de estar comigo, não gosta de mim.
- Estou cansada desta sua queixa. Estou velha.
- E eu estou adoecendo.
- Não tenho nada a ver com seus problemas. Desde menina é assim.
- Pois é, por issodeve ter a ver.
...
Levanta- se.
No banho frio deseja chorar. Não chora.
Sai. Volta duas horas depois.

Na mesa posta- a mãe almoça de costas para a porta.
Não quer comer naquela mesa- precisa sair logo dali.
Pede ao filho para acompanhá-la- precisa voltar à rua, pagar contas.

No sofá chora em silêncio- todos percebem, menos a mãe. Nunca a olha.

Vê, no espelho, os olhos inchados e borrados- naquele dia usou lápis preto.

O coração dói. Respira fundo. Com o filho toma um sorvete, um cappuccino. Ele caminha a abraçando. Sente-se amada.

No caminho de volta, compram pão e bolo, além de húmus, vasos, flores, para a casa ainda com cara de nova.

Seis da tarde.
A casa toda escura. Na penumbra a silhueta da mãe na varanda. Mexia em caixas, bolsas...

Um carro se aproxima- é a irmã. Desce dizendo em voz alta:
- Ela vai lá para casa, não quer ficar mais aqui.
- Que coisa feia! Não poderiam nos esperar?
- Ia deixar um bilhete, diz a mãe.
- Ela é assim, você sabe, completa a irmã.
- Muito feio isto- ela foi muito bem tratada aqui.

Na sala, caixas com os objetos da mãe que veio há quatro meses.
Olha a cristaleira com espaços em branco. Num canto da sala, caixas de papelão vedadas.

A mãe envergonha-se- desta vez é ela quem não a olha- prefere não ver o rosto traidor.

5 comentários:

La Maison d'Ávila disse...

Minha querida amiga,
Parabéns pelo dia de hoje...Mulheres lindas e guerreiras..
Super beijosssss
Regina.

Anônimo disse...

A velhice é amarga? Fiquei pensando. Acho que vou escrever sobre isso tb, estou empolgado a voltar a dar a conhecer minha dor.

angela disse...

Dificil quando o amor não flui, mesmo que exista amor, em algum momento o passo desacertou e a dança complicou. Uma dança de mãe e filha assim é muito complicado.
Animo. beijos

La Maison d'Ávila disse...

Coração corta, sangra e dói... como dói.
Mãe...um palavrinha que é amor. Doação...paz..suavidade...
Perdão.
Lindo fim de semana,
Super beijos,
Regina d'Ávila.

Leila Silva disse...

Vim ler assim que vi seu comentário...entendi um pouco melhor a história. Courage!
Vou ler os outros contos.


Um abraço
Leila